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Ter sido submetida a uma violência hedionda justifica as atrocidades cometidas pela protagonista com os seus algozes? O revide de uma pessoa do bem deve ser no mesmo estilo empregado pelos criminosos? Foi com um certo incômodo que assisti ao filme Doce Vingança (I Spit on Your Grave, 2010), uma produção que não foi um grande sucesso no cinema, mas que foi conferido por muitos adeptos das tramas "fazer justiça com as próprias mãos".
A sinopse não traz novidades: um bela jovem resolve se hospedar em uma cabana situada em lugar bucólico para escrever seu livro, sendo notada por alguns moradores do vilarejo próximo. Assim, quatro caipiras curiosos e sedentos por uma novidade, aproveitam-se do isolamento do lugar e resolvem fazer uma visitinha bem mal intencionada para garota. Se o objetivo inicial era um simples susto, o descontrole da situação se transforma num estupro com excessivos atos de
humilhação. Após a violência extrema, os caras pensam que a violentada tinha morrido, mas ela, por um lance de sorte, consegue sobreviver e voltar com um plano de vingança. Nada doce como sugere o título em português.
Concentrando o primeiro e o terceiro ato em cenas de tortura física e mental, muitas vezes beirando o grotesco, o filme segue seu caminho sem se preocupar em empregar veracidade nas situações apresentadas, tampouco em dar uma dimensão maior aos personagens. Todo tipo de estereótipo está ali: o valentão metido a gostoso, o bobão que tenta recuar, o policial inescrupuloso que engana bem a comunidade local, o sádico que incita maiores atrocidades no ataque... E a moça ingênua que parece não raciocinar antes e depois do ataque.
Apesar do choque com a violência sexual sofrida pela garota, o que, num impulso imediato, faz com que todos queiram punição para os agressores, a tortura sanguinária empregada nos quatro caras desperta uma dúvida sobre a verdadeira índole da vítima.
É certo que o público desse filme não buscou registro de questões morais, religiosas, comportamentais e outras coisas do gênero, uma vez que a proposta foi causar sensações de medo, horror e sadismo (ainda que os espectadores não admitam isto), mas não é facil aceitar a violência gráfica e visceral sem questionar se a lição nos agressores deveria ser daquela forma.
A despreocução no emprego de dilema moral é tanta que as ações são cronometradas para a simples execução do que já estava anunciado. Ninguém ali pensou ou planejou com rigor como deveria agir, deixando a impressão de que tudo se encaixou por uma questão de acaso.
A despreocução no emprego de dilema moral é tanta que as ações são cronometradas para a simples execução do que já estava anunciado. Ninguém ali pensou ou planejou com rigor como deveria agir, deixando a impressão de que tudo se encaixou por uma questão de acaso.
Pensem nas circunstâncias da vingança: estava todo mundo no lugar certo, na hora certa. E se aparecessem dois de uma vez? A garota magrinha conseguiria dar uma prensa da forma apresentada?
"Garota violentada arma um plano para fazer com que seus estupradores sejam desmascarados, presos e submetidos a todo tipo de violência num presídio..." Ficaria legal, não é mesmo? Mas será que a chamada iria atrair aquele público contumaz? Fica a dúvida.
De toda forma, justiça seja feita ao desempenho da linda Sarah Butler, que interpreta a protagonista Jennifer Hills. A atriz se mostra bastante corajosa ao encarar um papel tão degradante e consegue conferir uma eficiente caracterização da jovem escritora tranquila, como também da fera assassina que ela se transforma após o ataque.
Nota: refilmagem de A Vingança de Jennifer (Day of the Woman, 1978), que foi classificado pelo renomado crítico Roger Ebert como o pior filme da história do cinema. Não vi este de 1978, mas existe tanto filme ruim por aí. Será que essa classificação procede?
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