Poucas vezes temos a oportunidade de ver protagonistas tão amorais e tão sem escrúpulos no cinema, e o pior, terminar por gostar deles. O aparentemente ingênuo Louis Bloom nos dá uma lição de como pegar uma ideia de forma oportunista, desenvolvê-la com coragem e se tornar uma referência no produto, sem pudor algum, sem regras morais, sem piedade...
Logo na primeira cena, percebemos que Louis é um homem estranho e deslocado no mundo. Apesar de parecer um sujeito abobalhado, ele nos surpreende ao atacar um vigilante desavisado para tão somente roubar o relógio bacana do sujeito. Depois disso, é revelado que ele pode ir além, tendo a capacidade de enfrentar e coagir pessoas espertas por meio de sua desenvoltura com as palavras e de sua capacidade de observar os pontos fracos dos outros de forma sutil e ardilosa.
Por fim, essa impressão vai por água abaixo quando temos a certeza de que o personagem é um canalha bem articulado.
No primeiro ato do longa, mesmo sob o impacto da primeira cena, persiste a ideia de que estamos diante de um ladrão medíocre que quer um emprego e construir um nome, mas que ainda não se deu bem por não estar no lugar certo, na hora certa, para a sacada de sua vida. Não obstante a consciência de que poderia parecer patético, ele não se constrange ao pedir um emprego para o dono da empresa de fachada que compra seus itens roubados. Quem vai dar um trabalho a um um ladrão pé-de-chinelo confesso? Ele parece mesmo um estúpido...
Louis Bloom aprendeu grande parte de seu discurso impecável em pesquisas na internet, o que seria algo até plausível para um homem deslocado, desde que ele fizesse uso disso somente naquelas conversas introdutórias e superficiais. O problema é que ele tem a capacidade de manter essa mesma tática memorizada ao longo de uma relação, revelando, assim, seu lado sociopata. Psicótico, Bloom é um autodidata que planeja suas falas e que arma o declínio de seus opositores sem se preocupar com a gravidade do resultado. Um perigo!
Dirigindo noite adentro, Louis se depara com um grave acidente de carro e observa algumas equipes independentes que gravam aqueles momentos funestos para vender às emissoras de TV. É aí que surge a ideia de comprar uma câmera (também trocando material de roubo), usar um rádio receptor e captar os alertas policiais para chegar antes aos locais dos desastres e dos assassinatos.
Meio descontrolado a princípio, ele arruma encrenca com pessoas próximas às vítimas, com policiais que estranham seu jeitão atabalhoado e com profissionais mais bem preparados (como o interessante personagem de Bill Paxton), que querem afastar aquele "abutre" amador das cenas de sangue e conflito.
E é num desses momentos de empurrões e desentendimentos que ele consegue capturar com mais precisão o resgate de um grave acidentado. Na espreita, ele procura saber a quem levar aquele tipo de filmagem, dirigindo-se, então, a uma emissora que estava no jogo do quanto mais chocante melhor. Logo no primeiro contato, ele conhece a diretora de um programa que procurava mostrar matérias sensacionalistas, vestindo um véu de jornalismo investigativo e de prestação de serviços sociais. Aquele mundo cão da TV...
Com esse material grotesco, ele consegue a atenção da diretora de TV Nina Romina (brilhantemente interpretada pela sempre bela Rene Russo), entrando num esquema de atração e disputa. Ela querendo cenas cada vez mais impactantes, ele querendo cada vez mais estrutura e apoio para crescer naquele ramo. Um alimentando o outro, um querendo devorar o outro. Nessa, os dois se dão bem. Porém, é exatamente nesse jogo que Nina descobre estar nas mãos do bobão. O longo discurso em que Gyllenhall, sem receio algum, propõe (exige!) um romance porque aquilo seria uma extensão de seu negócio, é de deixar qualquer um admirado com seu domínio de texto e gestos. Contudo, falta de escrúpulo por falta de escrúpulo, a proposta imoral, apesar de audaz e desrespeitosa, termina por não ser bem um risco para ela. Seria um vantajoso jogo de interesses, um romance entre picaretas (que merecia algumas cenas mais intensas, penso), uma armação de gato e rato.
O filme traz um debate interessante sobre o que o público, mesmo que inconscientemente, busca no jornalismo da TV. Existe, sim, uma grande parte de expectadores que tem um gosto maior pelos crimes e acidentes locais, deixando de lado as reportagens de abrangências nacionais e internacionais. Isso acontece muito no Brasil também.
Depois de tanta ousadia e de tantas demonstrações de mau-caratismo, terminamos por simpatizar (e até por torcer) pelo personagem de Gyllenhaal, pois sabemos que um tipo como aquele, depois de uma jogada tão bem articulada, merece se sair bem (lógico que na ficção).
Uma pena não ter havido sequer uma indicação ao Oscar...
Recomendo sem ressalvas!
2 comentários:
Realmente foi uma pena esse filme não ser indicado a nenhum oscar
Também achei uma pena esse filme não ter sido indicado a nenhum oscar
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