O ambiente frio e a ambiguidade estiveram presentes desde a primeira cena de Os Suspeitos (Prisoners, 2013), ao condensar a iminente execução de um cervo que estava sendo caçado com a reza do Pai Nosso proferida por um pai de família. O disparo do rifle e o consequente abatimento do animal ocorrem numa floresta coberta pela neve, mostrando que esse elemento da natureza seria o tom claro durante a projeção, contrapondo com a parte chuvosa ou simplesmente sombria das demais cenas, porém trazendo a mesma sensação de desconforto predominante na maior parte do longa. O frio que percorre a espinha, a escuridão dos sentimentos, a sensação de que o próprio mundo está se fechando.
A religiosidade do personagem e a valorização da família serão os confrontos com as ocorrências cruéis e assustadoras propostas pela produção. São esses valiosos princípios que entram em crise quando o argumento principal do filme entra em debate. Somos bons e corretos, mas, quando estamos diante da maldade e do medo, também agimos com integridade e pensamento cristão? A tensão imposta pelo longa, coloca-nos diante das diferentes formas de reação dos envolvidos. Enquanto Hugh Jackman apresenta o pai zeloso que não consegue conter suas explosões de impaciência (quase sempre se recompondo em seguida), Terrence Howard, que interpreta o pai da outra garotinha, mostra-nos um homem que sofre em silêncio e que não sabe bem como agir ante o impacto de um possível assassinato.
Como sabemos dos trailers e da sinopse oficial, não conseguimos acompanhar o Dia de Ação de Graças com muita tranquilidade, pois já sabemos que as duas garotinhas encantadoras (Erin Gerasimovich e Kyla Drew Simmons) irão desaparecer.
Todo o processo de constatação é bem conduzido, evitando aquelas abruptas transposições de cenas. A edição consegue montar um esquema gradativo da dor, que se inicia com a procura ainda sem alarde, mas com aquela pontada de preocupação, até chegar ao desespero, quando tudo indica que algo realmente grave aconteceu.
Construído de forma dramática, a investigação policial e os diálogos de alguns personagens já revelam pontos importantes, sem, contudo, dar escancarado destaque aos elementos do quebra-cabeça que será montado para revelação final do filme. Porém, confesso que, embora tenha havido contenção na apresentação das peças fundamentais ao entendimento da história, a palavra de um determinado personagem fez com que eu me aproximasse, com certo acerto, da solução para o suspense. É aquele momento em que fazemos a conexão de uma breve fala com uma cena aparentemente isolada. A partir de então, nosso raciocínio vai em determinada direção e nos insere na busca por outros detalhes que podem corroborar nosso entendimento. Parágrafo confuso, não? Mas é exatamente isso que o filme parece estar trabalhando, porém, quase tudo não será jogado por acaso.
Com relação às mulheres que interpretam as mães, não é surpresa alguma identificarmos a credibilidade e os sentimentos sinceros das duas atrizes. A personagem de Maria Bello, não conseguindo suportar a dor e a ansiedade, mergulha num processo de angústia e recorre a um amontoado de tranquilizantes, ao passo que a ótima Viola Davis confere à sua personagem um olhar vazio, movimentos comedidos e uma doçura na voz que não esconde a força que ela está fazendo para controlar seu medo.
Para mim, o personagem mais interessante foi o policial que recebeu a brilhante interpretação de Jake Gyllenhaal. Apesar do uso do habitual olhar de peixe morto, o ator desempenha o papel mais complexo da trama ao ter de trabalhar uma introspecção característica do investigador com o turbilhão de emoções daqueles que o procuram. Educado e contido, ele procura manter uma postura firme e profissional diante dos pais das vítimas, usando respostas clichês de seu ambiente de trabalho, porém, em determinadas circunstâncias, seu controle na ações não é o bastante para deixá-lo explodir com agressividade.
E justiça seja feita ao desempenho do talentoso Paul Dano, um dos grandes atores de sua geração, que dá vida a um rapaz perturbado, que pouco fala e, quando o faz, nos surpreende com uma voz extremamente infantil, despertando sentimentos diversos com sua incômoda dificuldade de não saber responder. Não por acaso, entendemos a fúria de Hugh Jackman e a compaixão de Viola Davis quando estão diante daquele provável responsável pelo desaparecimento das garotas. Ele realmente deixa dúvida se devemos ter ódio ou piedade do personagem.
Angustiante e retesado, com direito a um final pouco convencional, Os Suspeitos se revela como uma das grandes produções do ano. Indicações e prêmios à vista.
Devo comentar sobre a desnecessária duas horas e meia de projeção? Devo comentar sobre o título em português sem muito critério? Acho que não.
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