Joel e Ethan Coen se arriscaram em mais uma cilada para o público... E acertam de novo!
.Não tenho dúvidas de que "Queime Depois de Ler" (
Burn after reading, USA, 2008) não é um filme para o grande público. Percebi várias pessoas saindo indignadas da sala de cinema após assistirem à exibição de mais um trabalho dos Coen.
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Sem fazer uma referência direta, visto a diferença incontestável dos cineastas, o filme me fez lembrar as palavras do grande mestre do suspense Alfred Hitchcock. Em certas obras, o cineasta não dirige somente o elenco, mas também o público. E, para mim, foi exatamente isto o que os Coen fizeram.
.Eles (não sei a razão, mas não gosto de citá-los como "os irmãos Coen") criaram uma trama instigante, mas bastante leve, nos apresentaram a vários personagens cativantes, deram um rumo absurdo ao roteiro e, na cena final, sentaram a marreta na cabeça dos espectadores. Alguém tem dúvidas de que eles poderiam fazer o que bem quisessem com aquela equipe primorosa?
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Muitos não apreciaram o ótimo "Onde os fracos não têm vez" (No Country for Old Men, USA, 2007), produção anterior dos Coen, visto que o filme, apesar do humor negro, teve um desenvolvimento muito tenso e foi encerrado da forma menos convencional possível. Foram criadas até comunidades na internet para debater os pontos "obscuros" do longa. Acredito que muitos não prestaram a devida atenção em diálogos - aparentemente evasivos -, tampouco no entrelaçamento de todas as cenas. Nada no filme foi feito por simples entretenimento... Para alguns, diante da análise "complicada" (e nem é tanto assim), é bem mais cômodo dizer que não gostou. Porém, respeito quem queira optar por este posicionamento. Cinema é assim mesmo... Eu não gostei nem um pouco do maçante "O Incrível Hulk" (The Incredible Hulk, USA, 2008), pois... Deixa pra lá!
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Eu adorei "Onde os fracos não têm vez" e torci por ele na Cerimônia do Oscar. E quem venceu?
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"Queime depois de ler", embora menos elaborado do que o filme anterior da dupla, também foi uma grata surpresa. Eu não esperava que o filme tomasse aquele caminho... Mais uma vez, eu fui "dirigido" com maestria pelos dois cineastas, eles levaram o público para onde queriam. Quem não estava preparado (ou acostumado com o estilo) levou uma bordoada mesmo. Sem direito a rir deliciosamente como fazem George Clooney e Frances McDormand na foto abaixo.
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O enredo não tem muitas complicações, senão vejamos: John Malkovich interpreta Osbourne Cox, um analista de informações da CIA que é demitido de seu ofício por fazer uso constante de bebidas alcóolicas. Irritado, ele refuta o argumento de seu superior, faz uma baderna "básica" (risos) e volta revoltado para sua casa. Numa situação como esta, ele assume mesmo seu gosto pela bebida e resolve escrever um livro de memórias. Sua esposa Katie (Tilda Swinton), fria e distante, fica contrariada com o fato e, para se resguardar, resolve contratar um advogado e se garantir financeiramente diante do iminente naufrágio do marido. Na realidade, ela não estava nem um pouco interessada na decadência humana de Osbourne, pois mantinha um caso com o investigador federal Harry Pfarrer (George Clooney), também casado com outra mulher (Elizabeth Marvel, uma atriz sem graça). Uma vez acostumados a esta trama, somos apresentados à personagem de Frances McDormand, a hilária Linda Litzke, a coordenadora de uma academia que pretende fazer uma série de cirurgias plásticas para ficar jovem e sexy. Ela tenta deseperadamente usar seu seguro saúde e descobre que o plano não cobre tratamentos estéticos. Há uma ótima cena em que Linda tenta fazer uma ligação e se depara com aqueles ridículos atendimentos digitais (Ooooooi!!!). Enquanto não fica perfeita, ela faz uso de um
site de relacionamentos na
internet e tem vários encontros (entre eles, com Pfarrer). Linda confidencia seus momentos com seu melhor amigo, Chad Feldheimer (Brad Pitt), o instrutor pancado da academia.
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O que uma história tem a ver com a outra? O CD com partes dos dados sigilosos de Osbourne é encontrado no banheiro da academia (mais tarde, ficamos sabendo como) e vai para as mãos de Linda e Chad. Eles descobrem que o conteúdo pode ser objeto de uma chantagem para conseguirem dinheiro fácil... E partem para o ataque! O problema é que os dois são tão ingênuos (para não dizer outra coisa) e acreditam que podem confrontar o desequilibrado (e irritado) Ousborne. Algo que também adorei: a Rússia e a passada Guerra Fria tornam-se o país e o fato histórico que comprovam a idiotice de Linda e Chad, trazendo ótimas seqüências para o longa.
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Pela sinopse, vocês perceberam que o elenco é formado por grandes astros. E eu nem citei , J.K. Simmons, David Rasche e Richard Jenkins. Mesmo em papéis menores, eles contribuem significativamente para o humor negro impecável do filme. Destaque para J.K. Simons (o ranzinza editor do jornal de Spider-Man 1, 2 e 3) que faz uso de sua cara de mal e de sua voz imponente para compor um personagem severo, mas que, num tom super acertado, nos dá a impressão (ou a certeza) de que o chefão da CIA, além de irônico e travesso, não estava nem um pouco interessado nas informações "sigilosas" passadas por seu agente de confiança (Rasche).
As vencedoras do Oscar, Tilda Swinton e Frances McDormand, têm a chance de comprovar, mais uma vez, o talento e o domínio sobre personagens variadas. Swinton, elegante como de costume, faz uso de seus expressivos olhos para interpretar uma mulher requintada e ligeiramente irônica. A expressão cínica e o leve sorriso de deboche da atriz, feitos no momento em que o marido lhe conta que vai escrever um livro de memórias, é um de seus admiráveis exemplos de técnica artística.
.Frances McDormand (que nunca decepciona seus fãs) dá um tom a mais na caricatura de sua personagem, mostrando desprendimento e humor ao tratar dos problemas de idade de Linda, e se torna uma figura muito divertida, cheia de caras e bocas.
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George Clooney (de quem eu sou fã) tenta, mas, infelizmente, não fica impecável na interpretação do conquistador e desajeitado Harry Pfarrer. Contudo, a leve falha não compromete a atuação em circunstâncias mais "extremas", visto que o competente ator dramático se sai bem nos momentos súbitos do filme.
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Curiosamente, no elenco masculino, as melhores composições de personagens ficaram por conta de dois atores insípidos (nem vou pedir perdão, é a minha opinião): Brad Pitt, que me parecia apenas um "astro" de olhos cativantes e talento curto; e John Malkovich, ator criterioso na escolha de seus papéis, mas que nunca havia me causado admiração. Os dois têm uma legião de admiradores, portanto, sei que meu conceito não defaz o conjunto da obra dos atores.
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Acredito que a maioria do grande público se surpreendeu e adorou a performance tresloucada de Brad Pitt. E com razão: o ator abandonou o perfil de galã e não se censurou para nos apresentar a um dos personagens mais ridículos e carismáticos da galeria de patetas do cinema. Ele esteve ótimo do início ao fim. Penso que vou gostar mais dele nos próximos trabalhos.
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Apesar dos louvores para quase todos os artistas, o grande trunfo do filme ficou mesmo por conta de John Malkovich. O ator caprichou no olhar, nas oscilações de humor, nos tiques e na seriedade diante de cenas estapafúrdias durante toda a produção. Preciso admitir, apesar dos termos do parágrafo acima, que o personagem Ousbourne serviu para endossar o talento de Malkovich.
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Assistam sem medo e, caso não gostem, pensem nos brindes de interpretação dos atores deste filme. E não se esqueçam de que serão dirigidos para levar uma bordoada.