Dexter Morgan é um perito forense que tem uma precisa habilidade na análise das projeções sanguíneas deixadas nos locais dos crimes, conseguindo reconstituir o ocorrido por meio de leitura do ambiente, técnicas práticas e de exames laboratoriais. Ocorre que o seu entendimento sobre os detalhes de um assassinato vai muito além de seus conhecimentos científicos, pois o confiável perito é um... serial killer, e este entende bem das peças fundamentais de seu trabalho.
Como um sociopata que tem necessidade de matar, ele direcionou sua fúria sanguinária para execução de criminosos que escaparam de punição na justiça.
A proposta ousada desta série de TV, exibida desde 2006 pelo canal norte-americano Showtime, se fosse apresentada aos convencionais canais nos divertidos anos 80 e 90, talvez não tivesse emplacado, uma vez que poucas vezes vimos protagonistas televisivos tão avessos ao que entendemos correto. Mesmo com todas as mudanças de comportamento e a aparição de novas mídias, a produção correu um sério risco de ir contramão e terminar por sofrer rejeição do grande público.
Foi uma aposta feliz, pois o seriado está em sua 8ª (e infelizmente última) temporada.
Muito se deve ao brilhante desempenho de Michael C. Hall, o protagonista da série, que construiu um personagem sólido, profundo, poucas vezes vistos em produções televisivas. O inegável talento do ator transformou Dexter Morgan numa figura tridimensional que desperta curiosidade nos espectadores.
Nos Estados Unidos da América, o país líder da indústria cinematográfica, conseguir prosperar em uma série de TV já é algo cobiçado por muitos atores, considerando que o veículo pode proporcionar fama, dinheiro e projeção artística. Há muitos anos, fazer TV era visto como algo bem menor por muitos pretensos ao destaque e pelos sólidos astros.
Além do carisma e da competência do ator principal, o seriado agradou também por ter trazido um personagem com múltiplas formas de reação, algumas bem inesperadas. Ele pode ser um mocinho cruel ou um vilão humanizado, ao mesmo tempo ou em momentos alternados. Sentindo-se um monstro vazio, mas precisando se integrar ao mundo social, Dexter faz uso da memória para resgatar os ensinamentos de Harry (James Remar), seu pai adotivo, utilizando as orientações que recebeu para se sair bem em diversas situações. E são nesses momentos que nos divertimos com seu jeito mecânico de se portar diante de uma situação embaraçosa ou de uma circunstância de simples entretenimento. A narração em primeira pessoa torna-se algo ainda mais interessante, pois constatamos que, na maioria das vezes, ele não sabe o que está fazendo. Ter uma namorada, ainda que esta rejeite sexo, sorrir ao tirar fotografia e ser um cidadão comum estão entre os diversos meios que Dexter faz uso para não chamar atenção para sua verdadeira personalidade.
Se o universo do personagem principal é rico de possibilidades, podendo trazer momentos ímpares para a trama, o mesmo não ocorre com o restante do elenco, visto que, na maioria das vezes, as subtramas são mal desenvolvidas e não chegam a ganhar curiosidade por parte dos fãs da série. Em alguns casos, fica a sensação de que uma intenção foi jogada aos olhos do público, testando-o para o pretenso desenvolvimento do assunto; porém, diante da falta de impacto, a proposição foi deixada de lado, sem uma mísera satisfação qualquer.
O que dizer do Sargento James Doakes (Erik King) que, numa cena aleatória, matou um sujeito com histórico de violência na Nicarágua, para depois não mais se abordar o assunto com a devida ênfase? E a detetive da corregedoria (Lisa Lapira), que parecia ter uma informação importante sobre determinado personagem, mas saiu da trama sem maiores explicações? Como enteder a dispensa de uma babá de extremo impacto na vida de Dexter, a irlandesa Sonya (Maria Doyle Kennedy), que simplesmente deixou de aparecer no seriado? O que fizeram com a oficial Cira Manzon (April L. Hernandez), que parecia alguém pronta para um embate interessante com a ótima Debra?
Do elenco fixo, somente a excelente Jennifer Carpenter consegue despertar a atenção e angariar um público que torce por sua personagem, a policial Debra Morgan, que é irmã de Dexter. A atriz, que se destacou em O Exorcismo de Emily Rose (The Exorcism of Emily Rose, 2005), como a personagem título, e no terror Quarentena (Quarantine, 2008), desenvolveu uma personagem agradável e verdadeira, conseguindo mesclar com propriedades seus atos de valentia, medo, acertos e inseguranças. Seu jeito desbocado, carente e ousado são grandes trunfos para o sucesso de sua composição. Os momentos em que Debra necessita de carinho e afeto de Dexter, sem que este consiga sequer entender do que a moça está falando, são de um incômodo sem tamanho, o que nos leva a sentir o quanto é complicado para um psicopata vazio viver num mundo de sentimentos. Algumas vezes, chego a querer que Debra dê um bom soco na cara do irmão. A garota é legal, amiga, devotada, mas o irmão adotivo não consegue sequer dar um abraço sincero nela... Por outro lado, o rumo dos sentimentos entre eles está num caminho arriscado...
Ainda do elenco, apesar das medianas atenções dadas pelo roteiro, temos outros personagens muito bem caracterizados pelos seus atores, como a oscilante, terna e, por vezes, perigosa Maria LaGuerta, a chefona interpretada por Lauren Velez, uma boa atriz que está acostumada a séries que abordam o universo criminal; David Zayas, como o machista e corajoso policial Angel Batista; Desmond Harrington, como Joey Quinn, o detetive galã e cafajeste; e C.S. Lee, o perito criminal tarado e sem muita noção de ambiente. Com relação à insossa namoradinha de Dexter (a bela Julie Benz), a loira de voz soprosa e comportamento manipulador, é necessário constatar que o destino da personagem foi muito arriscado, mas necessário a uma reviravolta de impacto no seriado.
As outras namoradinhas (também loiras), embora tenham causado efeito nos sentimentos do psicopata, principalmente a interessante Lumen, não ganharam a mesma importância que a chatinha Rita.
Sorte maior tiveram os convidados especiais de temporadas, pois estes participaram de cenas que realmente importantes para a trama. Neste sentido, vale evidenciar os trabalhos impecáveis de John Lithgow, o assassino da Trindade; e da charmosa Julia Styles, a perturbada jovem que fez um dueto interessante com Dexter. Outros destaques ficaram com Jonny Lee Miller, que apareceu como o cínico e maniqueísta Jordan Chase; com Jimmy Smits, que interpretou um promotor ardiloso; com Shawn Hatosy, o simplório e ordinário Boyd Fowler; e com Colin Hanks (filho do bom e velho Tom), que deu vida a um psicopata que transitou entre a inocência e a maldade. Keith Carradine, Sean Patrick Flanery e Anne Ramsey também contribuíram com o time de bons personagens temporários.
Com este jogo maluco de herói-assassino, foi difícil não torcer pela bela Jamie Murray, que interpretou a devassa e perigosa Lila Tourney. Acredito que a boa marca deixada pela personagem foi responsável pelo encerramento da participação da atriz britânica numa cena quase poética.
Falando em atriz britânica, a participação da estrela Charlotte Rampling nesta última temporada da série somente enriqueceu a fase de cai o pano da temporada. E que caia logo, pois, nos episódios correntes, temos um visto um Dexter meno paciente e mais agressivo (até o cabelo e a cara dele estão diferentes), o que denota um sinal de que a essência da série está se esgotando.
É preciso fechar os olhos para as várias situações inverossímeis do seriado, pois, se formos considerar a lógica de tempo e lugar, muito do que é mostrado não seria possível, nem com o mais esperto dos especialistas criminais. Em vários episódios, Dexter foi poupado da existência de câmeras de seguranças, de testemunhas oculares e dos possíveis entraves que impedem a presença física. O que dizer de ele ter conseguido chegar até Jonah Mitchell (Brandon Eaton), o jovem protegido pelo FBI (Federal Bureau of Investigation) e testemunha chave de um crime hediondo? Como Dexter circulou numa boa em hotéis com severo esquema de segurança? Como ele vai para Paris com seu kit açougueiro, encontra o hotel, entra, mata e some com um corpo numa boa? Que marina é essa que permite as idas e vindas de um homem que transporta corpos aos peçados em sacos de lixo, sem nunca ter sido visto ou abordado? Como ele consegue entrar num aeroporto internacional, dopar um estrangeiro repatriado, eliminá-lo no próprio local e sair do ambiente, sem nenhum empecilho, sem chamar a atenção, sem ser registrado?
Ademais, precisa mesmo de tanto aparato para executar suas vítimas nos matadouros? Haja tempo, material e logística, não?
Outro fator que começou a me incomodar foi a mudança na escolha de suas vítimas. Quando Dexter começou a disputar com a polícia a captura do criminoso, levando-o até a forjar provas para desviar a atenção das autoridades, tudo para chegar primeiro ao assassino, isto soou mal e desconexo com relação ao aprendizado que ele teve com Harry. O certo não seria eliminar aqueles que escaparam da justiça? Se bem que, buscando refúgio na mente de um psicopata, muitos dos disparates se justificam.
Além do carisma e da competência do ator principal, o seriado agradou também por ter trazido um personagem com múltiplas formas de reação, algumas bem inesperadas. Ele pode ser um mocinho cruel ou um vilão humanizado, ao mesmo tempo ou em momentos alternados. Sentindo-se um monstro vazio, mas precisando se integrar ao mundo social, Dexter faz uso da memória para resgatar os ensinamentos de Harry (James Remar), seu pai adotivo, utilizando as orientações que recebeu para se sair bem em diversas situações. E são nesses momentos que nos divertimos com seu jeito mecânico de se portar diante de uma situação embaraçosa ou de uma circunstância de simples entretenimento. A narração em primeira pessoa torna-se algo ainda mais interessante, pois constatamos que, na maioria das vezes, ele não sabe o que está fazendo. Ter uma namorada, ainda que esta rejeite sexo, sorrir ao tirar fotografia e ser um cidadão comum estão entre os diversos meios que Dexter faz uso para não chamar atenção para sua verdadeira personalidade.
Se o universo do personagem principal é rico de possibilidades, podendo trazer momentos ímpares para a trama, o mesmo não ocorre com o restante do elenco, visto que, na maioria das vezes, as subtramas são mal desenvolvidas e não chegam a ganhar curiosidade por parte dos fãs da série. Em alguns casos, fica a sensação de que uma intenção foi jogada aos olhos do público, testando-o para o pretenso desenvolvimento do assunto; porém, diante da falta de impacto, a proposição foi deixada de lado, sem uma mísera satisfação qualquer.
O que dizer do Sargento James Doakes (Erik King) que, numa cena aleatória, matou um sujeito com histórico de violência na Nicarágua, para depois não mais se abordar o assunto com a devida ênfase? E a detetive da corregedoria (Lisa Lapira), que parecia ter uma informação importante sobre determinado personagem, mas saiu da trama sem maiores explicações? Como enteder a dispensa de uma babá de extremo impacto na vida de Dexter, a irlandesa Sonya (Maria Doyle Kennedy), que simplesmente deixou de aparecer no seriado? O que fizeram com a oficial Cira Manzon (April L. Hernandez), que parecia alguém pronta para um embate interessante com a ótima Debra?
Ainda do elenco, apesar das medianas atenções dadas pelo roteiro, temos outros personagens muito bem caracterizados pelos seus atores, como a oscilante, terna e, por vezes, perigosa Maria LaGuerta, a chefona interpretada por Lauren Velez, uma boa atriz que está acostumada a séries que abordam o universo criminal; David Zayas, como o machista e corajoso policial Angel Batista; Desmond Harrington, como Joey Quinn, o detetive galã e cafajeste; e C.S. Lee, o perito criminal tarado e sem muita noção de ambiente. Com relação à insossa namoradinha de Dexter (a bela Julie Benz), a loira de voz soprosa e comportamento manipulador, é necessário constatar que o destino da personagem foi muito arriscado, mas necessário a uma reviravolta de impacto no seriado.
As outras namoradinhas (também loiras), embora tenham causado efeito nos sentimentos do psicopata, principalmente a interessante Lumen, não ganharam a mesma importância que a chatinha Rita.
Sorte maior tiveram os convidados especiais de temporadas, pois estes participaram de cenas que realmente importantes para a trama. Neste sentido, vale evidenciar os trabalhos impecáveis de John Lithgow, o assassino da Trindade; e da charmosa Julia Styles, a perturbada jovem que fez um dueto interessante com Dexter. Outros destaques ficaram com Jonny Lee Miller, que apareceu como o cínico e maniqueísta Jordan Chase; com Jimmy Smits, que interpretou um promotor ardiloso; com Shawn Hatosy, o simplório e ordinário Boyd Fowler; e com Colin Hanks (filho do bom e velho Tom), que deu vida a um psicopata que transitou entre a inocência e a maldade. Keith Carradine, Sean Patrick Flanery e Anne Ramsey também contribuíram com o time de bons personagens temporários.
Com este jogo maluco de herói-assassino, foi difícil não torcer pela bela Jamie Murray, que interpretou a devassa e perigosa Lila Tourney. Acredito que a boa marca deixada pela personagem foi responsável pelo encerramento da participação da atriz britânica numa cena quase poética.
Falando em atriz britânica, a participação da estrela Charlotte Rampling nesta última temporada da série somente enriqueceu a fase de cai o pano da temporada. E que caia logo, pois, nos episódios correntes, temos um visto um Dexter meno paciente e mais agressivo (até o cabelo e a cara dele estão diferentes), o que denota um sinal de que a essência da série está se esgotando.
É preciso fechar os olhos para as várias situações inverossímeis do seriado, pois, se formos considerar a lógica de tempo e lugar, muito do que é mostrado não seria possível, nem com o mais esperto dos especialistas criminais. Em vários episódios, Dexter foi poupado da existência de câmeras de seguranças, de testemunhas oculares e dos possíveis entraves que impedem a presença física. O que dizer de ele ter conseguido chegar até Jonah Mitchell (Brandon Eaton), o jovem protegido pelo FBI (Federal Bureau of Investigation) e testemunha chave de um crime hediondo? Como Dexter circulou numa boa em hotéis com severo esquema de segurança? Como ele vai para Paris com seu kit açougueiro, encontra o hotel, entra, mata e some com um corpo numa boa? Que marina é essa que permite as idas e vindas de um homem que transporta corpos aos peçados em sacos de lixo, sem nunca ter sido visto ou abordado? Como ele consegue entrar num aeroporto internacional, dopar um estrangeiro repatriado, eliminá-lo no próprio local e sair do ambiente, sem nenhum empecilho, sem chamar a atenção, sem ser registrado?
Ademais, precisa mesmo de tanto aparato para executar suas vítimas nos matadouros? Haja tempo, material e logística, não?
Outro fator que começou a me incomodar foi a mudança na escolha de suas vítimas. Quando Dexter começou a disputar com a polícia a captura do criminoso, levando-o até a forjar provas para desviar a atenção das autoridades, tudo para chegar primeiro ao assassino, isto soou mal e desconexo com relação ao aprendizado que ele teve com Harry. O certo não seria eliminar aqueles que escaparam da justiça? Se bem que, buscando refúgio na mente de um psicopata, muitos dos disparates se justificam.
Apesar da identificação desses problemas, assistir a esse seriado é um grande prazer, seja pelo universo fascinante de Dexter, seja pela criatividade dos roteiristas no entrelaçamento de tramas paralelas de assassinatos, o que traz ao público um constante questionamento sobre o certo e o errado. Afinal, devemos torcer para um assassino saguinário, ainda que este, a seu modo, esteja fazendo justiça? Difícil, não?